Em Re-construção Constante

Não adianta parar, o caminho não termina porque você cansou. Ele termina quando você chega.







domingo, abril 13, 2008

Morrer eh Preciso-"Assim, a espiritualidade transformadora, a espiritualidade autêntica é revolucionária. Ela não legitima o mundo; ela rompe com ele.

TRECHO DO TEXTO:
UMA ESPIRITUALIDADE QUE TRANSFORMA

KEN WILBER

Interpretação versus Transformação

 
Numa série de livros (e.g., Um Deus Social, Up from Eden e The Eye of Spirit) tento mostrar que a religião sempre cumpriu duas funções muito importantes, mas muito diferentes. Em primeiro lugar, ela age de modo a criar significado para o self 1 alienado 2: oferece mitos, histórias, contos, narrativas, rituais e revivescências que, em conjunto, ajudam o self a entender e suportar as pedras e flechas do destino implacável. Normalmente, esta função da religião não necessariamente altera o nível de consciência da pessoa; não provoca transformação radical. Nem provoca, tampouco, uma libertação definitiva do self alienado. Ao contrário, ela consola o self, fortalece o self, defende o self, promove o self. À medida que oself alienado acredita nos mitos, executa os rituais, balbucia as orações ou aceita os dogmas, então crê fervorosamente que será “salvo” – ainda nesta vida, pela glória da salvação de Deus ou da proteção da Deusa, ou na vida após a morte, quando ser-lhe-á assegurada felicidade eterna. 
Mas, em segundo lugar, a religião cumpre – usualmente para uma muito, mas muito pequena minoria – uma função de transformação radical e de libertação. Esta função da religião não fortalece o self alienado; ao contrário, despedaça-o completamente – não consolação mas devastação, não entrincheiramento mas esvaziamento, não complacência mas explosão, não conforto mas revolução – em síntese, não fortalecimento convencional da consciência mas transmutação e transformação radicais nas profundezas da própria consciência. 

 
Há algumas diferentes maneiras para explicar essas duas importantes funções da religião. A primeira função – criação de significado para o self – é um tipo de movimento horizontal; a segunda função – transcendência do self – é um tipo de movimento vertical (para cima ou para o fundo, dependendo da sua metáfora). Denominei a primeira interpretação; a segunda,transformação. 

 
A interpretação simplesmente dá ao self uma nova maneira para pensar ou sentir a realidade. Oself passa a ter uma nova crença – talvez holística ao invés de atomística, talvez perdão no lugar de acusação, talvez relacional ao invés de analítica. Assim, o self aprende a interpretar seu mundo e seu ser em termos desta nova crença, ou nova linguagem, ou novo paradigma, e esta nova e encantadora interpretação age, pelo menos temporariamente, para aliviar ou diminuir o terror inerente ao coração do self alienado. 

 
Mas com a transformação, o próprio processo de interpretação é desafiado, interpelado, minado e, finalmente, desmantelado. Com a interpretação, é dado ao self (ou sujeito) um novo modo de pensar sobre o mundo (ou objetos); mas com a transformação radical, o próprio selfpassa a interrogar-se, a olhar para dentro de si, a estrangular-se e, literalmente , a sufocar-se até a morte. 

 
Colocado de uma última maneira: com a interpretação horizontal – que é de longe a dominante, a mais difundida e largamente compartilhada função da religião – o self, pelo menos temporariamente, sente-se feliz com seu entendimento, contente com sua escravidão, complacente em face do terror gritante que é, de fato, sua condição mais íntima. Com a interpretação o self torna-se sonolento no mundo, tropeça entorpecido e com a visão curta no pesadelo do samsara 3, recebe um mapa amarrado com um laço de morfina para encarar o mundo. E esta é, na verdade, a condição normal da humanidade religiosa, precisamente a condição a ser desafiada e, finalmente, desfeita pelos ativistas da transformação espiritual. 

 
Porque a transformação autêntica não é uma questão de crença, e sim de morte do crente; não uma questão de interpretar o mundo, mas sim de transformá-lo; não uma questão de encontrar alívio, mas sim de encontrar o infinito no outro lado da morte. Não é dada importância ao self; ele é cremado. 

 
Agora, embora obviamente eu venha favorecendo a transformação e minimizando a interpretação, o fato é que ambas as funções são incrivelmente importantes e inteiramente indispensáveis. A maioria das pessoas não nasce iluminada. Elas nascem em um mundo de pecado e sofrimento, esperança e medo, desejo e desespero. Nascem como um self ávido e pronto para contrair-se; um self prenhe de fome, sede, lágrimas e terror. E, bem cedo, aprendem várias maneiras de interpretar seu mundo, de fazer com que passe a ter sentido, de dar-lhe um significado e de defender-se do terror e da tortura que nunca estão suficientemente distantes da superfície feliz do self alienado. 

 
E, apesar de nós, você e eu, podermos estar desejando transcender a simples interpretação e encontrar a transformação autêntica, a interpretação, por si só, é uma função absolutamente necessária e crucial na maior parte de nossas vidas. Aqueles que não conseguem interpretar adequadamente, com uma boa dose de integridade e precisão, caem rapidamente em sérias neuroses ou mesmo psicoses: o mundo pára de fazer sentido – os limites entre o self e o mundo não são transcendidos; ao contrário, começam a esfarelar-se. Não é uma descoberta importante (“breakthrough”) e sim um colapso (“breakdown”); não é transcendência, mas desastre. 

 
Mas em algum ponto do nosso processo de amadurecimento, a própria interpretação, não importa quão adequada ou confiável, simplesmente cessa de consolar. Nenhuma nova crença, nenhum novo paradigma, nenhum novo mito, nenhuma nova idéia estancarão a angústia que se instala em nós. Aí, o único caminho que resta não é uma nova crença para o self, mas sim a transcendência do próprio self.


notas:
1 Wilber usa self (com “s” minúsculo) para aquilo que o filósofo Huberto Rohden denomina “ego humano” e Self (com “S” maiúsculo) para o que Rohden chama o “Eu Divino”. (N. T.)
2 Segundo Hegel, a alienação é um processo essencial à consciência, pelo qual ao observador ingênuo o mundo parece constituído de coisas independentes umas das outras. (N. T.)
3 A roda das reencarnações. (N. T.)

A tradução é do Prof. Ari Raynsford

3 comentários:

Anônimo disse...

Porque a transformação autêntica não é uma questão de crença, e sim de morte do crente; não uma questão de interpretar o mundo, mas sim de transformá-lo; não uma questão de encontrar alívio, mas sim de encontrar o infinito no outro lado da morte. Não é dada importância ao self; ele é cremado.

touché.....kaslu...tatoos lindas

Anônimo disse...

se apaixonar por fotos só é burrice quando sem tem a possibilidade de se ter algo além das fotos... achar que os desertos são essenciais é burrice pois eles são como fotos apaixonantes... mas talvez vc tb só tenha o deserto... for ever... kali!

Madame Nada disse...

Nunca se tem nada.
"All is full of Love"
Voce mora no meu coracao, desapaixonadamente.
Beijos