Este texto eu normalmente colocaria no http://bruxariacotidiana.blogspot.com/, mas como este blog está prestes a ser assimilado, eu decidi começar a unificacao por ele.
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“Uma pessoa apenas percebe os pedaços de realidade que se encaixam nas suas fantasias primárias.” (1)
E eu selecionei a frase acima frase ela se encaixa no que eu venho dizendo ultimamente. Ou seja, eu não poderia deixar de ser terrivelmente tendenciosa, mas pelo menos eu assumo. O problema é que as pessoas que advogam a objetividade ainda não perceberam que elas se apoiam em uma falácia: a objetividade não existe, aliás, existe como um conceito, mas é impraticável. Tudo no mundo humano é tendencioso e subjetivo.
Talvez eu tenha me expressado mal com algumas pessoas afirmando que o real é inexistente. De fato, deve haver um real absolutamente concreto, acontece que, se ele está lá, nós não temos nenhum aparato para percebê-lo, então, para nós, ele não existe. O que chamamos de real seria talvez este algo que nos fornece estímulos para que geremos nossas percepções, experiências e imagens.
No universo de Castaneda, o real seriam os inúmeros filamentos que permeiam o universo, e dos quais nós percebemos um número muito reduzido. Com este pequeno numero de filamentos percebidos nós criamos nossa realidade. Os filamentos que nós somos capazes de perceber são determinados pela nossa educação e pela cultura. Castaneda usa o termo ‘ponto de aglutinação’ com realação a este ‘órgão’ perceptor que seria responsável pela filtragem e leitura dos filamentos. Eu nunca gostei muito deste termo: ‘ponto de aglutinação’ . No original em inglês, a palavra utilizada é Assembly point, que eu penso que pareceria melhor traduzida como ‘ponto de agrupamento’. Por que? Por uma questão da palavra soar mais simples e direta para mim, só isso. No entanto eu não tenho a menor idéia de qual palavra foi usada originalmente em espanhol por Don Juan, já que os livros foram escritos por Castaneda em inglês - e as versões em espanhol que existem, até onde sei, foram traduções - fica impossível portanto saber qual a palavra realmente selecionada para explicar o processo. Isto é só mais um exemplo de como possuímos um sem número de maneiras de expressar - e desta forma moldar - uma única coisa, um sem número de maneiras de explicar um suposto real, concreto, absoluto, único.
Voltando ao ponto de aglutinação, este órgão perceptivo se locarizaria fora do corpo, no nosso corpo energético, que para D. Juan/Castaneda, teria a forma de um ovo luminoso. A educação que a pessoa recebeu fixaria este ponto em um certo local que determinaria os tipos/quantidades de filamentos que ela seria capaz de perceber e, consequentemente, os tipos/quantidades de realidade que chegariam até ela. Certas disciplinas a que a pessoa se imporia, experiências, estados de sonho ou o uso de psicotrópicos poderiam habilitar a pessoa a mover este ponto - mudando assim os filamentos com os quais ela teria contato - e desta forma perceber outras realidades tão reais quanto a nossa realidade do dia-a-dia, já que seriam compostas da mesma substância, ou seja, filamentos de energia.
Fica óbvio entender que movimentos bruscos do ponto de aglutinação gerariam percepções tão díspares que remeteriam o sujetio despreparado a um estado de loucura.
Retomando o ponto da questão do real com relação a Lacan, Zizek diz que “a tese fundamental de Lacan é que um mínimo de ‘idealização’ – da interposição da moldura fantasmática com a qual o sujeito assume a distância do real – constitue nosso ‘senso de realidade’: ‘Realidade’ ocorre desde que o real não esteja (e não chegue) ‘muito perto’.” (2) Nossa percepção e interpretação é o que nos distanciaria do real.
Para Don Juan, a realidade última - ou seja, o real - seriam os filamentos luminosos, mas os filamentos luminosos por si mesmo não dizem nada para os seres humanos comuns, eles não são sequer percebidos como tais, eles precisam ser absorvidos pelo ponto de aglutinação e traduzidos, e assim, lidos como realidade. Enfim, haveria um real ‘concreto’, mas ele seria desprovido de ‘realidade’. Alias, o real ‘concreto’ sequer seria concreto.
Claro que Lacan e D. Juan não estão falando a mesma línguagem. Lacan fala de um real investido de idealização que então se torna realidade e assim podemos suportá-lo, mas este ‘real’ de Lacan já seria por si só um produto do nosso ponto de aglutinação que então receberia outra ‘camada de verniz’ da nossa psique (sem contrar inúmeras outras possíveis camadas) para que então possamos habitá-lo. Ou seja, a realidade passaria por várias filtragens até que tomássemos consciência dela.
Resumindo: partindo deste ponto de vista, realidade e alucinação difeririam apenas na quantidade de pessoas que as compartilham. Como a maioria vence, ficamos com as alucinações que possuem mais pontos em comum como realidade. Aquele cuja a alucinação é mais discordante se ferra. Outro ponto é, se sequer conseguimos suportar o ‘real’ Lacaniano, imagine o que aconteceria se entrassemos em contato com o ‘real’ Castanêdico/Juaniano...
(1) Declercq, F. (2003) The Real of the Body in Lacania Theory. Journal of Psycho-Social Studies (JPSS) Vol 2 (1) http://www.uwe.ac.uk/hlss/research/cpss/Journal_Psycho-Social_Studies/v2-1/DeclercqF.shtml
(2) Zizek, S. (1998) Love Thy Neighbour? No, Thanks! In Lana, C.9ed) The Psychoanalysis of Race. New York: Columbia University Press. Pp 154-175.
Obs: Sobre Castaneda, nao usei nenhum livro específico, mas a idéia que formei a partir da leitura da sua obra como um todo. Considero o livro O Fogo Interior bem didático, e o capitulo 7 é dedicado ao Ponto de Aglutinacao. Os livros dele podem ser facilmente baixados na internet.
E eu selecionei a frase acima frase ela se encaixa no que eu venho dizendo ultimamente. Ou seja, eu não poderia deixar de ser terrivelmente tendenciosa, mas pelo menos eu assumo. O problema é que as pessoas que advogam a objetividade ainda não perceberam que elas se apoiam em uma falácia: a objetividade não existe, aliás, existe como um conceito, mas é impraticável. Tudo no mundo humano é tendencioso e subjetivo.
Talvez eu tenha me expressado mal com algumas pessoas afirmando que o real é inexistente. De fato, deve haver um real absolutamente concreto, acontece que, se ele está lá, nós não temos nenhum aparato para percebê-lo, então, para nós, ele não existe. O que chamamos de real seria talvez este algo que nos fornece estímulos para que geremos nossas percepções, experiências e imagens.
No universo de Castaneda, o real seriam os inúmeros filamentos que permeiam o universo, e dos quais nós percebemos um número muito reduzido. Com este pequeno numero de filamentos percebidos nós criamos nossa realidade. Os filamentos que nós somos capazes de perceber são determinados pela nossa educação e pela cultura. Castaneda usa o termo ‘ponto de aglutinação’ com realação a este ‘órgão’ perceptor que seria responsável pela filtragem e leitura dos filamentos. Eu nunca gostei muito deste termo: ‘ponto de aglutinação’ . No original em inglês, a palavra utilizada é Assembly point, que eu penso que pareceria melhor traduzida como ‘ponto de agrupamento’. Por que? Por uma questão da palavra soar mais simples e direta para mim, só isso. No entanto eu não tenho a menor idéia de qual palavra foi usada originalmente em espanhol por Don Juan, já que os livros foram escritos por Castaneda em inglês - e as versões em espanhol que existem, até onde sei, foram traduções - fica impossível portanto saber qual a palavra realmente selecionada para explicar o processo. Isto é só mais um exemplo de como possuímos um sem número de maneiras de expressar - e desta forma moldar - uma única coisa, um sem número de maneiras de explicar um suposto real, concreto, absoluto, único.
Voltando ao ponto de aglutinação, este órgão perceptivo se locarizaria fora do corpo, no nosso corpo energético, que para D. Juan/Castaneda, teria a forma de um ovo luminoso. A educação que a pessoa recebeu fixaria este ponto em um certo local que determinaria os tipos/quantidades de filamentos que ela seria capaz de perceber e, consequentemente, os tipos/quantidades de realidade que chegariam até ela. Certas disciplinas a que a pessoa se imporia, experiências, estados de sonho ou o uso de psicotrópicos poderiam habilitar a pessoa a mover este ponto - mudando assim os filamentos com os quais ela teria contato - e desta forma perceber outras realidades tão reais quanto a nossa realidade do dia-a-dia, já que seriam compostas da mesma substância, ou seja, filamentos de energia.
Fica óbvio entender que movimentos bruscos do ponto de aglutinação gerariam percepções tão díspares que remeteriam o sujetio despreparado a um estado de loucura.
Retomando o ponto da questão do real com relação a Lacan, Zizek diz que “a tese fundamental de Lacan é que um mínimo de ‘idealização’ – da interposição da moldura fantasmática com a qual o sujeito assume a distância do real – constitue nosso ‘senso de realidade’: ‘Realidade’ ocorre desde que o real não esteja (e não chegue) ‘muito perto’.” (2) Nossa percepção e interpretação é o que nos distanciaria do real.
Para Don Juan, a realidade última - ou seja, o real - seriam os filamentos luminosos, mas os filamentos luminosos por si mesmo não dizem nada para os seres humanos comuns, eles não são sequer percebidos como tais, eles precisam ser absorvidos pelo ponto de aglutinação e traduzidos, e assim, lidos como realidade. Enfim, haveria um real ‘concreto’, mas ele seria desprovido de ‘realidade’. Alias, o real ‘concreto’ sequer seria concreto.
Claro que Lacan e D. Juan não estão falando a mesma línguagem. Lacan fala de um real investido de idealização que então se torna realidade e assim podemos suportá-lo, mas este ‘real’ de Lacan já seria por si só um produto do nosso ponto de aglutinação que então receberia outra ‘camada de verniz’ da nossa psique (sem contrar inúmeras outras possíveis camadas) para que então possamos habitá-lo. Ou seja, a realidade passaria por várias filtragens até que tomássemos consciência dela.
Resumindo: partindo deste ponto de vista, realidade e alucinação difeririam apenas na quantidade de pessoas que as compartilham. Como a maioria vence, ficamos com as alucinações que possuem mais pontos em comum como realidade. Aquele cuja a alucinação é mais discordante se ferra. Outro ponto é, se sequer conseguimos suportar o ‘real’ Lacaniano, imagine o que aconteceria se entrassemos em contato com o ‘real’ Castanêdico/Juaniano...
(1) Declercq, F. (2003) The Real of the Body in Lacania Theory. Journal of Psycho-Social Studies (JPSS) Vol 2 (1) http://www.uwe.ac.uk/hlss/research/cpss/Journal_Psycho-Social_Studies/v2-1/DeclercqF.shtml
(2) Zizek, S. (1998) Love Thy Neighbour? No, Thanks! In Lana, C.9ed) The Psychoanalysis of Race. New York: Columbia University Press. Pp 154-175.
Obs: Sobre Castaneda, nao usei nenhum livro específico, mas a idéia que formei a partir da leitura da sua obra como um todo. Considero o livro O Fogo Interior bem didático, e o capitulo 7 é dedicado ao Ponto de Aglutinacao. Os livros dele podem ser facilmente baixados na internet.
4 comentários:
realidade e alucinação difeririam apenas na quantidade de pessoas que as compartilham...
excelente todo o post.
dançando entre lacan e dom juan...o que não chega nem ao "não manifesto", mas so ao manifestado.
afinal, mesmo o corpo energetico, e seus pontos de aglutinação (e/ou talvez os proprios filamentos) são manifestações que não representaria o "real" final.
e ae fica zen...
o vazio,eterno,absoluto,infinito,imutavel, e dinamicamente energetico.
não saberia dizer, mas, pra variar, leitura prazerosa.
preciso trabalhar meus modelos mentais! ;o)
adorei, é legal encontrar pessoas que patilham de uma opinião que as vezes as pessoas não esperam nem pelo fim pra poder dar uma refletida.
ganhou um fã!
parabéns
beijo
entre aqui, de uma conferida nas paradinhas que eu escrevo. ve se agrada
www.quandoeufuinohorto.blogspot.com
Lo que es un buen puesto. Me encanta la lectura de estos tipos o artículos. Puedo? Esperar a ver lo que otros tienen que decir.
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