Em Re-construção Constante

Não adianta parar, o caminho não termina porque você cansou. Ele termina quando você chega.







quarta-feira, janeiro 27, 2010

SOBRE A ESPREITA

SOBRE A ESPREITA

Folheando meu caderno eu encontro minhas anotações sobre o livro O Pode do Silêncio de C. Castaneda. Engraçado que este nome parece título de livro de meditação, e não deixa de ser.

Eu anotei, como que anotando de um manual de instruções, os quatro passos para aprender a espreitar, e como relembrar nunca é demais – como diziam aquelas rádios bregas de flashbacks “recordar e viver de novo” - , vamos aqui a uma revisão pública.

QUATRO PASSOS PARA APRENDER A ESPREITAR:

Implacabilidade
Esperteza
Paciência
Doçura

Implacabilidade não é rudeza
Esperteza não é crueldade
Paciência não é negligência
Doçura não é tolice

Implacável, mas encantador
Esperto, mas simpático
Paciente, mas ativo
Doce, mas letal

“Espreitar é o comportamento especial que segue certos principios. É um comportamento secreto, furtivo, enganoso, designado a provocar um choque. É quando você espreita a si mesmo, você choca a si mesmo, usando seu próprio comportamento de um modo implácavel e astucioso.”

Engraçado, mas dia desses eu falava com o Renato, ex-Pato (aliás, Renato, o codinome Pato é genial e você deveria voltar a usá-lo, ou melhor, podia adotar Patinho Feio, que tem um impacto maior na noção de transformação, mas deixa pra lá) sobre a expressão original em inglês que o Castaneda usou para espreitador: stalker. O stalker é aquela pessoa que te escolhe como vítima, se apaixona por você e começa a ter perseguir, podendo chegar aos limites da loucura e do crime. Guardando as devidas proporções, todo mundo já teve ou já foi um. Engraçado é que talvez seja mais fácil ser um stalker do alheio do que de si próprio.

Me lembro de uma entrevista com o ator de Dexter em que ele dizia que resolveu seguir uma pessoa na rua uma vez para ver como era (laboratório para o personagem, não?) e ficou impressionado como foi fácil seguir a pessoa por certo período sem que esta se desse conta.

Também li numa revista punk (não lembro o nome, mas é uma canadense) a experiência de uma menina que resolveu escolher um cara em um bar e ser stalker dele (daquelas extremas, que perseguem o cara no trabalho, ligam para mãe do cara dizendo desforos, etc, etc). Ela fez isto como um experimento, não a sério, apenas copiando o comportamento desequilibrado de pessoas que fazem isso (loucura controlada?), usando ao seu favor a facilidade com que os homens (não todos claro), se achando sempre auto-confiantes, levam uma mulher estranha para casa. Bem, a leitura é um tanto engraçada (e angustiante e embaraçosa ao mesmo tempo), e eu não consegui achar mais a revista, senão traduzia isto aqui, mas gracinha a parte, aquilo foi um verdadeiro ato de loucura controlada, mais do que de espreita no sentido castanêdico. Ela disse que foi impressionante a quantidade de energia dispendida para conseguir atuar tudo aquilo – que não imaginava como pessoas faziam aquilo “a sério” por meses a fio, que aquilo drenou todas as forças dela por uma semana mais ou menos, quando o cara se desesperou e chamou a polícia, e ela resolveu parar com a “brincadeira”.

Mas voltando a espreita, a questão é que Castaneda escolheu a expressão stalker para espreitador, que tem um sentido muito dúbio em inglês, já que o stalker é um obsecado, obsediador encarnado. Mas se uma pessoa é capaz de dispender tanta energia seguindo um outro, por que não a si mesmo? É tão mais fácil se colocar fora, e tão fácil esquecer de se vigiar (lembram do velho dizer: vigiai e orai? É vigiar a si mesmo que esta implícito, e o orai para mim é relembrar a si mesmo do intento). No fundo, somos muito frágeis e temos medo de enlouquecer nesse processo, mas isto é fruto da auto-piedade, que segundo D. Juan é o contrário da implacabilidade, e assim ficamos andando em círculos.

Bom, isto aqui já está muito longo pra um post só, então para finalizar eu transcrevo um parágrafo sobre a loucura controlada:

“Don Juan explicou que a loucura controlada como a arte do engano controlado ou a arte de fingir estar profundamente imerso na ação – fingindo tão bem que ninguém pudesse distinguí-lo da coisa real. A loucura controlada não é um engano direto, mas um modo sofisticado, artístico, de estar separado de tudo permanecendo ao mesmo tempo uma parte de tudo.”

Mas a minha loucura nunca foi controlada e eu sei o que é espreita, mas saber disso não me faz uma espreitadora. Kali é uma bela farsa, mas Andréa é uma farsa maior, não a farsa da loucura controlada, mas a farsa vulgar dos que não se assumem totalmente), e confessar isso não me salva, não me alivia e não me faz melhor.

Perdão, mas eu queria que vocês soubessem disto. A única coisa real é meu amor por vocês (vocês sabem quem são ‘vocês’ quando lerem isso) e pelo caminho, ainda que eu seja incapaz de seguí-lo de pé, por isso eu continuo rastejando e meu nome é serpente.

3 comentários:

Renato disse...

Quem não é capaz? Levanta ae!

Madame Nada disse...

Como eu posso leventar se eu nao posso cair?

Pense nisso.

Dário disse...

Gostei muito de sua reflexão sobre a espreita, Kali.

Parabéns,

Dário.