Em Re-construção Constante

Não adianta parar, o caminho não termina porque você cansou. Ele termina quando você chega.







domingo, agosto 28, 2011

PACTO



A bruxa bateu a minha porta e eu a deixei entrar.

Perguntou se poderia ficar e eu disse sim.

Perguntou se poderia me ensinar algo e eu permiti.

Ela me disse que eu não poderia mais permitir que meu anseio se tornasse ansiedade.

“Você esteve em pico por muito tempo, e o pico, de cume virou um platô”

Eu sei, eu disse a ela, mas saber não me acalma. Não há nada que eu faça que me conduza à tranquilidade. As ações se paralisaram, já não sigo o fluxo. Caí na tempestade e cega não encontro mais o olho do furacão.

Ela me fez uma proposta, a bruxa. Ela disse que não se ressentia por eu tê-la abandonado antes mesmo de florescer. Ela disse que não se ressentia pela minha inconstância e inconsistência. Ela disse que não se ressentia por ter provado as porções, mas nunca tê-las bebido até o fim. Ela disse que não se ressentia pela minha falta de persistência. Ela disse que não se ressentia por eu ter alimentado por tanto tempo este demônio de estimação que estava me devorando.

Eis o que a bruxa me propôs:

Aprenda comigo, e antes de quebrar os ciclos, aprenda a apreciá-los. Antes de transpassar a natureza, aprenda a sê-la. Aprenda a apreciar o mundo, mesmo sem se confundir com ele. Você é capaz de fazê-lo. O medo de ser contaminada pelo cotidiano fez de ti uma pessoa fraca. O medo de ser devorada pelo mundo te reduziu a um tamanho irrisório. Nenhum poder pessoal cresceu neste tempo. O que você acreditava que era “estar no mundo sem ser do mundo” era apenas fuga da realidade, e fugindo dela, você não pode percebê-la, dominá-la, superá-la.

Sem saber o que você estava fazendo, seu temor mais grave se concretizou. Neste tempo todo, você foi do mundo e este te devorou. Toda sua vontade drenada, toda sua disposição para a luta, desviada. Você não consegue mais agir nem cá, nem lá. E de flexível demais, por medo de cristalizar,você está se tornando disforme.

Aprenda a ser-me, ela me sorriu. Não apenas finja que me és. Pare de me sufocar, me deixe dançar livre, me deixe uivar, me deixe respirar e correr. Isso não vai te desviar do caminho, porque nada mais vai. Só você mesma e o demônio que você permitiu fazer morada no seu ser te podem descarrilar. Separadas, somos fragmentos, juntas somos uma, e a unidade é mais forte que a diversidade.

Eu a olhei no espelho e sorri. Eu e a bruxa selamos nosso pacto, mesmo na lua minguante, porque já estávamos além.

E a primeira tarefa, ela disse, consiste em arrumar seu quarto. ;)



8 comentários:

W disse...

Será implacável consigo mesma?

W disse...

D. Juan para Castaneda:
"(...) Mas o que você não sabe é que para realizar isso lutei pela impecabilidade como o nunca fiz antes. Para me ocupar com você, tenho me transformado diariamente, restringindo-me com o mais excrusciante esforço.
Don Juan estivera certo. Não gostei do que ele disse. Tentei não perder a compostura e respondi com sarcasmo:
- Não sou tão ruim assim D. Juan.
Minha voz soou surpreendentemente anti-natural para mim.
- Oh, sim, você é mau sim - retorquiu ele com expressão séria -Você é mesquinho, perdulário, conceituoso, coercitivo, mal-humorado, vaidoso. É moroso, ponderado e mal-agradecido. Tem uma inexaurível capacidade de auto-indulgência. E, pior de tudo, tem uma ideia exaltada de si mesmo, sem nada para apoiá-la. Poderia dizer com sinceridade que sua mera presença me faz ter vontade de vomitar.
Minha expressão depois de ouvir a verdade subjacente deve ter sido horrível, pois Don Juan gargalhou de tal maneira que pensei que ele fosse sufocar.
— Sabia que você não iria gostar ou compreender isso. As razões dos guerreiros são muito simples, mas sua finura é ex¬trema. É uma oportunidade rara para um guerreiro ter uma ge¬nuína chance de ser impecável apesar de seus sentimentos básicos. Você me proporcionou tal chance única. O ato de dar livre e impecavelmente me rejuvenesce e renova minha existên¬cia. O que ganho com nossa associação é, com efeito, de valor incalculável para mim. Sou seu devedor."

Madame Nada disse...

Serei, não posso mais deixar isso na mão de outros. Eu sempre posso fugir dos outros, mas não posso fugir de mim mesma.

Quanto a descrição que o D. Juan fez do Castaneda, tive a bizarra sensação que ele estava falando de mim. E de alguma forma, estava.

W disse...

Ele esta falando de você e, ao mesmo tempo, ele também é você

Assim como a bruxa, com a qual vc fez o pacto de frente pro espelho

Madame Nada disse...

É isso. assim como "eu sou o outro você".

Anônimo disse...

"Não há nada que eu faça que me conduza à tranquilidade."

simplesmente! que dor!
esta tudo tão perto, e não alcanço, e dessa vez arrumar o quarto não vai resolver! não me tenho quando eu mais preciso.

tudo escorre pelos dedos, e sobra um vaga lembrança do que se buscava, se é que se busca...

fugir? de que, pra onde?
a unica certeza é que não esta dando certo...

"
Toda sua vontade drenada!você está se tornando disforme...
"

e?!?!?! é fraqueza ou cansaço...

em mil pedaços, e dessa vez o remendo não vai adiantar.

estar disforme, é uma bela descrição! um borrão!

que surja um intento, qualquer um...pq do jeito que esta...me sinto um alface ou brocolis.

fraco, sinto a fraqueza. como poderia um borrão ser forte?

que o intento surja e me surpreenda, e que surja logo!

Anônimo disse...

Isso realmente resolveu meu problema , obrigado!

ricardo alves / são paulo,brasil disse...

prazer em rever seus comentários Kali!!!
volte a postar colega!
sumiu a inspiração?
super bjs...