"A
FALA DO MAIS ALTO"
Vi-me suspenso naquela árvore batida pelo vento,
Ali pendurado por nove longas noites,
Por minha própria lâmina ferido,
Sangrando para Odin,
Eu, uma oferenda a mim mesmo:
Atado à árvore
Que homem nenhum conhece
Para onde vão suas raízes.
Ninguém me deu de comer,
Ninguém me deu de beber.
Perscrutei as mais terríveis profundezas
Até vislumbrar as runas.
Com grito estentóreo as ergui,
E então, tonto e desfalecido, caí.
Bem-estar eu conquistei
E também sabedoria.
Cresci, alegrando-me de meu crescimento:
De uma a outra palavra,
Fui levado a uma palavra,
De um fato a outro fato.
— Do Escandinavo
Antigo A Edda Poética (cerca
de 1200
d. C.)
E eu estou tentando entender o que
me levou a tudo isso. Essa fúria interior, esse desespero e essa angústia que
me comia por dentro. Uma ansiedade que eu ainda não consegui domar ao meu
favor.
Lá fora nada acontece. Lá fora tudo
está calmo. Mesmo com os fracassos da vida mundana podem explicar essa falta
que eu sinto. A falta que me faz lembrar como se chega onde já se está. Como
aperceber-se de que tudo que eu preciso já está aqui? Saber não é sentir.
Tento me lembra de quando eu
comecei a buscar o caminho de volta e não me lembro de um fato específico, de
uma idade exata. Na verdade nascemos buscando, só não temos consciência. Mas eu
gostaria de lembrar com exatidão do momento inicial, aquele dia em que eu
abracei o caminho e me entrei a ele a tal ponto que as coisas pararam de
funcionar bem nesse mundo.
Claro que é minha a única
responsabilidade por ter me tornada desajustada para uma vida cotidiana bem
sucedida. Também é minha responsabilidade o fato de não ter tomado isso ao meu
favor a ponto de me tornar tão mal ajustada que esse mundo se estranhasse
completamente de mim e eu dele. Estou num caminho, mas meus passos são tímidos.
Como numa música de Brendan Perry: “Arrastando meus pés quando eu poderia estar
voando”. Como sei que autopiedade não irá me levar a nada então paro por aqui
de listar minhas falhas.
A verdade é que estou aqui, nesse
momento, buscando e tentando ao mesmo tempo fingir que me importo em levar uma
vida “de verdade”, e, às vezes, até que eu acredito nisso. Acredito tanto que
reacende a esperança. Mas a esperança também me leva à frustração, porque a
esperança nunca me levou a nada. A esperança só me fez sonolenta e tola.
Às vezes eu sinto que sou um ser
humano anormal, que eu tenho uma cabeça gigante de coruja ou de lobo, sei lá.
Alguma marca estranha que faz de mim uma aberração. Camuflar-se faz parte do
jogo, não acreditar que se é a camuflagem também. Quantas vezes nos enredamos
nas estórias criadas para nossos personagens? Quantas vezes acreditamos sermos
nossos personagens? Agora mesmo.
Entre se enquadrar ou se destacar
pelo desajuste, o que seria o melhor? Passar despercebido. Mas como passar
despercebido sem se enquadrar? Só a camuflagem permitiria, ou a
insignificância, ou ambas. Mas a camuflagem gera os riscos já citados de se
confundir com a personagem (a velha estória do lobo com pele de ovelha que
acaba acreditando ser uma ovelha). E a insignificância? É para poucos, para os
que já dominaram as vaidades. Os vaidosos ao jogarem esse jogo ficam tão cheios
de si em sua humildade que se tornam mais chamativos do que os pavões. Eu tenho
preferido a camuflagem, mesmo que eu tenha me confundido em muito com as várias
personagens que forjei ao longa da vida. Muitas vezes eu realmente fui elas - algo
que me fez muito infeliz e frustrada, e ainda me faz.
Por fim, é tarde. Estou cansada de
escrever. Vou tentar um sonho.
Nenhuma revelação especial
é possível se a própria existência não for um
instrumento de revelação (William Temple, moderno poeta americano).
Nenhum comentário:
Postar um comentário